Em praticamente uma semana, o humor dos profissionais que atuam com recuperações judiciais foi alterado duas vezes em razão dos julgamentos dos recursos especiais n° 1.053.883/RJ em 12 de junho e n° 1.187.404/MT em 19 de junho.
No REsp 1.053.883/RJ, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a Fazenda Pública possui legitimidade para impugnar o plano de recuperação, inclusive para alegar a ausência de certidão negativa de débitos (CND), a qual é requisito para se conceder a recuperação judicial. Nesse julgamento, o Superior Tribunal de Justiça devolveu o processo ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) para que lá seja analisada a exigência da CND.
Tal decisão provocou uma extrema preocupação tanto nos profissionais que atuam com recuperações como nas próprias empresas em recuperação ou prestes a entrar com o pedido, porque o entendimento até hoje consolidado nos Tribunais de Justiça dos Estados e juízos de primeiro grau dispensa a apresentação da certidão negativa de débitos, em virtude do claro conflito com o princípio da preservação da empresa, pois dificilmente uma empresa em crise possui situação fiscal regular.
A exigência da certidão negativa de débitos torna inviável o próprio instituto da recuperação judicial
Com efeito, o artigo 57 da Lei n° 11.101, de 2005, exige a apresentação da certidão negativa de débitos para que se possa conceder a recuperação judicial. E o legislador assim o fez porque a recuperação judicial é eminentemente negocial, uma vez que o devedor apresenta seu plano de pagamento, geralmente com cláusulas remissórias e dilatórias, cabendo aos credores aceitarem ou apresentarem as objeções, sendo que eventual impasse é levado à apreciação da assembleia geral de credores.
Como a Fazenda Pública somente pode conceder remissões e dilações mediante lei específica, resta impossível a negociação de pagamento de tributos no plano de recuperação. Por esse motivo, ficaram os débitos fiscais fora da recuperação judicial.
Ocorre que o legislador também atribuiu ao Poder Executivo a obrigação de elaborar uma lei criando um parcelamento especial para que as empresas em crise possam se valer da recuperação judicial (cf. artigo 68 da Lei n° 11.101/05). A razão da lei é óbvia: como os débitos tributários não se submetem à recuperação judicial, a empresa precisaria realizar o parcelamento especial (artigo 68 da LRF) para poder pedir a sua recuperação. Entretanto, essa lei do parcelamento especial para fins recuperacionais nunca foi criada, tornando a exigência da apresentação da certidão negativa de débitos abusiva.
Para o alívio de todos, no dia 19 de junho, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial n° 1.187.404/MT e, em decisão unânime, afastou a exigência da certidão negativa de débitos, tranquilizando novamente as empresas em crise e o mercado como um todo.
Com efeito, condicionar a concessão da recuperação judicial à apresentação da certidão negativa de débitos é uma exigência perigosíssima, pois aniquila o princípio da preservação da empresa e torna inviável o próprio instituto da recuperação judicial, tendo em vista que em situações de crise econômico-financeira, os pagamentos dos tributos são os primeiros a serem suspensos.
Restaria apenas o bom senso dos juízes para que, diante de um pedido de recuperação sem a possibilidade de apresentação da certidão negativa de débitos, determinem à Fazenda Pública a celebração compulsória de um parcelamento especial, viabilizando a concessão da recuperação. Porém, tal medida, repita-se, não encontra embasamento legal, ficando a critério exclusivo de cada magistrado, que agirá segundo as suas convicções. O risco para a empresa permaneceria.
Espera-se que essa decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.187.404/MT se transforme num entendimento sedimentado, inclusive sendo objeto de súmula, de forma a orientar e uniformizar os julgamentos dos juízes e dos Tribunais de Justiça, sob o risco de não mais se discutir a inviabilidade da empresa, mas sim a inviabilidade do próprio instituto da recuperação judicial.