Produtores rurais têm obtido no Judiciário decisões que os autoriza a entrar em recuperação judicial, mesmo sem terem os dois anos exigidos de inscrição em junta comercial – como empresário individual. O entendimento dos magistrados é o de que basta a comprovação da atividade pelo período mínimo estabelecido pela Lei de Recuperação Judicial e Falências (n° 11.101, de 2005).
Recentemente, um casal de produtores rurais do interior de São Paulo conseguiu o deferimento de seu processo de recuperação judicial. A decisão foi proferida pela 2ª Vara Cível de Jaboticabal (SP). Na decisão, a juíza Andrea Schiavo levou em consideração o histórico de 30 anos de atividade agrícola do casal.
“Seria injusto que os produtores rurais não pudessem se valer dos benefícios trazidos pela recuperação judicial, considerando que a economia brasileira tem suas bases sustentadas firmemente pela vocação rural”, diz a advogada Isis Magri Teixeira, do escritório Dosso Advogados, que defende o casal de Jaboticabal. A decisão, segundo a advogada, seria a primeira do país envolvendo produtores rurais sem ligação com um grupo empresarial.
No pedido, a defesa do casal afirma que, embora não haja previsão expressa para a recuperação judicial de produtor rural, o entendimento que prevalece nos tribunais é o de que seria apenas preciso estar “devidamente registrado na junta comercial”, não importando o tempo da inscrição.
Nesse sentido, citam decisão da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Para os desembargadores, a regularidade da atividade empresarial pelo biênio mínimo estabelecido “deve ser aferida pela constatação da manutenção e continuidade de ser exercício, e não a partir da prova da existência de registro do empresário ou ente empresarial por aquele lapso temporal”.
A questão foi parar no TJ-SP por meio de recurso de credor de sócios do Grupo Cafealcool ACJM, que obtiveram o direito à recuperação judicial como empresários individuais. O credor alegou que as inscrições na Junta Comercial do Estado de São Paulo teriam ocorrido menos de um mês antes do ajuizamento do pedido.
Para o relator do caso, desembargador José Reynaldo, porém, seria “irrelevante o fato”, uma vez que a documentação apresentada demonstra que todos são produtores rurais por prazo superior aos dois anos exigidos pelo artigo 48 da lei. O credor já levou a questão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Outro caso que também já foi encaminhado aos ministros foi o dos produtores José Pupin e sua esposa, Vera Pupin, sócios do Grupo JPupin, um dos maiores produtores de grãos e fibras do país. O grupo conseguiu entrar em recuperação, mas os sócios não.
Um processo de produtores rurais já foi analisado pela 3ª Turma do STJ. Porém, no caso, os registros comerciais foram feitos após a apresentação do pedido de recuperação judicial, o que não foi aceito pelos ministros. Para eles, “o deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação documental da qualidade de empresário”. Não foi enfrentada no julgamento, porém, “a questão relativa às condições de admissibilidade ou não de pedido de recuperação judicial rural”.
Nas instâncias inferiores, há também precedentes favoráveis a produtores rurais no Estado da Bahia. O Grupo Aurora-Sërios, um dos mais importantes produtores de sementes de soja do Brasil, obteve recentemente o deferimento de seu pedido de recuperação, que abrange também o controlador Heinz Kudiess.
“Provamos que ele exerce a atividade há muito tempo. Exercício regular, como prevê a lei, é diferente de ter inscrição em junta comercial”, afirma a advogada Camila Somadossi, do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, que representa o Grupo Aurora-Sërios, acrescentando que normalmente os produtores rurais optam por não estar registrados em junta comercial para não perder uma série de benefícios fiscais que têm como pessoa física.
No Mato Grosso, porém, há entendimentos contrários aos produtores rurais. No fim de junho, a Bayer conseguiu suspender na 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ-MT) a recuperação judicial dos sócios do Grupo Bom Jesus Agropecuária. Na decisão, a relatora do caso, desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho considerou que deve-se comprovar, para o processamento do pedido, ” a condição jurídica de empresário, por meio da inscrição na junta comercial há mais de dois anos, nos termos dos artigos 51, inciso V, e 48, caput, ambos da Lei n° 11.101/2005″.
“A inscrição de produtor rural com prazo de dois anos em junta comercial não pode ser considerada mera formalidade. É uma exigência legal”, diz o advogado Antonio Carlos de Oliveira Freitas, do Luchesi Advogados, que defende a Bayer. “Não se pode abrir mais uma brecha aos devedores.”
Por Arthur Rosa | De São Paulo