Por Beatriz Olivon | De Brasília
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou na semana passada acórdão de um julgamento sobre recuperação judicial considerado inédito por especialistas. Os ministros entenderam que cláusula de plano que obriga credores a abrir mão de garantias reais e fidejussórias deve ser aplicada mesmo àqueles que não compareceram à assembleia-geral. A decisão é da 3ª Turma.
A decisão foi dada em processo envolvendo a distribuidora de produtos alimentícios Dibox. Na assembleia, sete dos dez credores aprovaram a supressão das garantias para dar condições de a empresa se recuperar. Os outros três alegaram que não participaram da reunião e, por isso, não poderiam ter suas garantias desconstituídas.
A empresa tem um crédito total de quase R$ 42 milhões, segundo seu advogado, Euclides Ribeiro Junior, do ERS Consultoria e Advocacia. A maior parte é de credores quirografários (R$ 28,8 milhões) seguida pelos que têm garantia real – e preferência no recebimento – e dos credores trabalhistas.
A garantia real recai sobre imóvel ou safra, por exemplo. Assim, se o devedor não pagar, o bem responderá pela dívida. Já as fidejussórias são prestadas por um terceiro, e não pelo devedor, como nos casos de aval e de fiança.
Em primeira e segunda instâncias, as decisões foram favoráveis ao pedido dos credores que não participaram da assembleia. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT) considerou que no caso de alienação de bem que é objeto de garantia real, a liberação dessa garantia ou sua substituição só poderiam ser admitidas se houvesse autorização expressa do credor.
A decisão, porém, foi reformada pela 3ª Turma do STJ, por maioria de votos. Prevaleceu entendimento do relator, Marco Aurélio Bellizze. Para ele, se em assembleia os credores consideraram necessário para o plano de recuperação judicial suprimir as garantias dadas não há como submeter o inconformismo da minoria que saiu vencida ou não votou à maioria – que está disposta a suportar sacrifícios.
A Lei de Recuperação Judicial prevê, no artigo 50, que na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão ou substituição da garantia só podem ser admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da garantia. Porém, no voto, Bellizze destacou previsão do artigo 49, parágrafo 2°, de que as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, “salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.”
Para o relator, ainda que o credor tenha optado por não comparecer à assembleia ou se posicionado contra a aprovação do plano, está subordinado a ele. “Compreensão diversa, por óbvio, teria o condão de inviabilizar a consecução do plano, o que refoge dos propósitos do instituto da recuperação judicial”, afirma no acórdão.
De acordo com o voto do relator, caso não se implemente o plano de recuperação, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originariamente contratadas.
Já o ministro João Otávio de Noronha votou em sentido contrário. De acordo com ele, a premissa aprovada no plano de recuperação judicial de suspensão das garantias dos credores ausentes contraria a legislação e a jurisprudência. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva não participou do julgamento porque estava impedido.
Para o advogado José Roberto Assad, do Luchesi Advogados, a decisão mostra uma “perigosa relativização” do artigo 50 da Lei n° 11.101, de 2005. A decisão, acrescenta o especialista, implica insegurança para os credores.
Julio Mandel, do Mandel Advocacia, entende, porém, que se o plano foi aprovado, ocorreu a novação da dívida e a empresa está em dia, o uso das garantias liberadas é medida essencial para que o plano seja efetivo. “Nada mais correto que a liberação, pois o objetivo dela é justamente gerar recursos e pagar os credores”, afirma.
De acordo com o advogado, já há caso parecido julgado pelo STJ, mas a decisão é inédita pelo seu detalhamento. Mandel faz a ressalva de que o dinheiro da garantia deverá ser destinado ao pagamento de credores e não ao devedor.
Procurados pelo Valor, os advogados dos credores não retornaram até o fechamento da edição.