Por Bruno Villas Bôas | Do Rio
A rede de lojas de departamento Leader conseguiu ontem a homologação de seu plano de recuperação extrajudicial no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Com a decisão unânime da 11ª Câmara Cível, a empresa está protegida da cobrança de credores durante a execução do plano, que passa pela reestruturação da dívida e reformulação do pagamento dos fornecedores.
Fundada nos anos 50 em Miracema, no interior do Estado do Rio, a Leader enfrentou problemas de caixa nos últimos anos por uma combinação de fatores: perda de receita com a recessão, acirramento da concorrência e elevado nível de endividamento, realizado para financiar o movimento de expansão em 2012 e 2013.
No plano de recuperação aprovado ontem, a varejista atraiu 227 credores (de 347), que representam 83% dos R$ 222,4 milhões da dívida que integra a recuperação. A adesão ocorreu com a negociação direta com os credores – todos fornecedores da empresa – e superou o mínimo previsto pela legislação, de uma anuência de pelo menos três quintos (60%).
“Essa adesão foi fruto de três meses de negociações. São todos fornecedores da empresa. E quarenta aderiram espontaneamente. Os demais, que não aderiram, passam a ser abrangidos pelo plano com a homologação”, disse Flavio Galdino, sócio do Galdino Coelho Mendes Advogados e à frente da parte judicial do processo.
O plano prevê o pagamento em 84 parcelas mensais e iguais até o último dia útil de cada mês, com taxa de 80% do CDI. Os credores que aderiram ao plano estão recebendo desde janeiro de 2017, num total de R$ 3 milhões ao mês. Os credores que não aderiram ao plano vão começar a receber o pagamento a partir do trânsito em julgado da homologação na Justiça.
De acordo com a decisão, a Leader não precisará fazer assembleia de credores, uma vez que a negociação do acordo já foi encerrada antes do ajuizamento do pedido. Com o plano é extrajudicial, o presidente da empresa, André Peixoto, poderá conduzir a companhia sem a necessidade de aprovações prévias da Justiça. Não existe a figura do administrador judicial.
Peixoto diz que a homologação confere mais segurança ao plano de reorganização da empresa. Os pagamentos a credores vêm sendo realizados desde o início do ano passado, mas sofriam interrupções pontuais provocadas por processos movidos por outros credores não aderente. Além disso, o acesso a financiamentos pela empresa vai se tornar mais fácil.
“A dívida fiscal foi reparcelada com a União e Estados. E a dívida bancária foi repactuada. Desta forma, 100% da nossa dívida está equacionada”, disse Peixoto. “Em maio, mesmo com a greve de caminhoneiros, conseguimos equilibrar a geração de caixa. Nosso Ebitda ficou estável. Então, vamos começar a colher frutos da reestruturação”, disse ele.
Desde que surgiu no interior do Rio, a rede cresceu por décadas com base em um modelo popular de vendas: alto-falantes ligados com promoções, vendedores fantasiados oferecendo cartões, pilhas de roupas e sapatos em meio a artigos para casa – de copos de vidro a brinquedos. O modelo funcionou bem por bastante tempo: atraiu as classes C e D e tornou a empresa uma das maiores redes de departamento do Estado do Rio.
Em 2012, o banco BTG Pactual aceitou pagar mais de R$ 1 bilhão para assumir as Leader com um sonho grande: torná-la uma potência nacional de vendas. Com os novos administradores, a Leader foi ao ataque e arrematou em meados de 2013 a rede Seller, com grande presença no interior de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Foi uma fase de rápida expansão.
Mas, seja pela falta de traquejo do banco para lidar com o varejo ou por ter subestimado o sotaque carioca demais da varejista para uma plataforma nacional, o fato é que o plano não decolou. Em 2015, a empresa foi atingida pela recessão. Em meados de 2016, acabou comprada pelo Fundo Legion, de Fábio Carvalho, responsável pela recuperação da Casa & Video.
Segundo Peixoto, a empresa tinha uma série de lojas deficitárias e precisou passar por rápidas mudanças. O número total de lojas das bandeiras Leader e Seller foi reduzido de 170 para as atuais 104 unidades. A área comercial foi reformulada, com contratação de profissionais de concorrentes e promoção de pessoas que já integravam a empresa. Gastos administrativos foram cortados.
Mesmo com reestruturação dos negócios e corte de custos, a Leader continuou com geração de caixa deficitária. Em 2016, o Ebitda foi negativo em R$ 477 milhões. O prejuízo foi de R$ 847 milhões. A rede enfrentou dificuldades para pagar fornecedores, o que inviabilizou a compra de mercadorias a prazo e pressionou o caixa.
Em dezembro de 2016, a empresa buscou a recuperação extrajudicial, após acordo com parte dos 172 credores. No início deste ano, porém, o pedido acabou negado pela Justiça, que apontou para inconsistências no cálculo do “quórum” de credores que aderiram ao plano e diferenças significativas no tratamento de credores aderentes e não aderentes ao plano. Essa decisão foi reformada ontem.
Passado o pior momento, com caixa equilibrado e dívida equacionada, a varejista tem hoje lojas da marca Leader em operação em nove Estados: Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe. Por meio da bandeira Seller, o grupo também tem mais 18 lojas, distribuídas entre os Estados de Minas Gerais e São Paulo.
Segundo Peixoto, cerca de R$ 12 milhões devem ser investidos neste ano na abertura de lojas, especialmente no Nordeste. Para ele, o “sotaque carioca” da empresa comunica-se bem com o público nordestino. “Um dos nossos objetivos agora é deixarmos de ser empresa regional com lojas em diversos Estados para ser uma empresa nacional”, disse o executivo.
Fonte: Valor Econômico