Por Cristiano Romero
Como ocorre em toda crise econômica, e a atual já dura meia década (três anos em recessão e dois com crescimento medíocre) e ainda não acabou, o número de empresas que entram em recuperação judicial (RJ) ou sofrem falência cresce de maneira significativa. Este é o resultado dramático de decisões equivocadas, em geral, tomadas em Brasília: milhares de empresas e seus fornecedores quebram, credores sofrem calote, milhões de pessoas perdem o emprego e a arrecadação de tributos encolhe, diminuindo a capacidade da União de prestar serviços públicos.
No Brasil, como se sabe, abrir e fechar uma empresa são tarefas igualmente difíceis. Muitas companhias se tornam inadimplentes (com fornecedores, clientes e o Fisco) e, mesmo assim, seguem funcionando por muito tempo. Uma das razões é a existência de dispositivos legais inexequíveis para recuperar negócios que enfrentam, muitas vezes, dificuldades temporárias.
As regras, em vez de facilitar, dificultam excessivamente a recuperação das companhias, principalmente, das micro e pequenas. Do total de 906 processos de RJ ocorridos no Estado de São Paulo entre janeiro de 2010 e julho de 2017, 92 (10,1% do total) foram requeridos por microempresas (ME), 94 (10,3%) por empresas de pequeno porte (EPP), 182 (20%) por grupos societários e 538 (59,3%) por médias e grandes empresas.
A leitura desses números mostra, portanto, que o contingente de empresas mais numeroso da nossa economia é o que menos requer recuperação judicial. As explicações para esse fenômeno seriam o custo dos processos – tanto em relação às despesas diretas com custas, advogados, assessores e administrador judicial, quanto pelo custo reputacional de assumir dificuldades publicamente -, o excesso de burocracia e, possivelmente, a dificuldade de acesso a crédito. O não recurso à RJ consolida uma característica muito forte das micro e pequenas empresas – operar na informalidade, mesmo tendo registro nos Fiscos municipais, estaduais e federal.
“Existe uma desproporção entre a distribuição geral das pessoas jurídicas registradas perante as juntas comerciais (em situação de crise ou não) e a distribuição das pessoas jurídicas que requerem a recuperação judicial. No registro das juntas preponderam as micro, pequenas e médias, enquanto nos processos de recuperação há maior concentração de empresas de grande porte”, diz Ivo Waisberg, do escritório Thomaz Bastos, Waisberg e Kurzweil.
Ao lado do juiz Marcelo Barbosa Sacramone, do também advogado Marcelo Guedes Nunes e do estatístico Fernando Corrêa, Waisberg lidera inédita e valiosa pesquisa sobre os processos de RJ em São Paulo. Aprimeira, com foco nos processos abertos apenas nas varas de Justiça da capital paulista, foi concluída em 2016. A segunda rodada, que será divulgada na sexta-feira, incluiu as varas do interior do Estado.
O trabalho constitui a segunda fase do Observatório da Insolvência, iniciativa do Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência (NEPI) da PUC se São Paulo e da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). O objetivo é levantar e analisar dados sobre empresas em crise que recorrem ao Poder Judiciário para tentar se recuperar ou, na pior hipótese, sere liquidada. Os resultados podem ajudar os legisladores a formular leis mais realistas que facilitem a recuperação e, quando for o caso, a falência de companhias em crise. A falta de dados concretos das RJ realizadas no país – e de muitos outros aspectos da vida nacional – leva o parlamento a elaborar, com base apenas em interesses de grupos específicos e a experiência de poucos profissionais que atuam no setor, leis inexequíveis.
Um exemplo: na atual de Lei de Falências (11.101), de 2005, há um dispositivo especial para, em tese, facilitar a RJ dos pequenos negócios. A pesquisa do Observatório da Insolvência mostra que, no período analisado, apenas 17,9% das EPPs e MEs adotaram essa modalidade de RJ e tiveram o plano de RJ aprovado pela Justiça. “Frente ao total de planos de recuperação, essa taxa é ainda menor. De todas as 387 negociações concluídas e analisadas no estudo, no máximo 1,8% utilizaram esse instituto”, informa o estudo.
A pesquisa mostra também os setores que mais recorreram à RJ entre 2010 e 2017 em todo o Estado de São Paulo. A indústria metalúrgica respondeu por 128 pedidos (14%), seguida pelo setor de varejo com 99 casos (10,9%), alimentos com 85 (9,3%), indústria em geral com 81 (8.9%), atacado com 78 (8.6%), imobiliário com 41 (4,5%), logística com 30 (3,3%), gráficas e comunicação com 15 (1,6%), álcool e cana com 13 pedidos (1,4%), confecção de roupas com seis (0,7%), agência de viagens com quatro (0,4%), informática com quatro (0,4%), segurança privada também com 4 (0,4%) e terceirização com três casos (0,3%).
O estudo revela características financeiras das RJs que pormenorizam expectativas existentes antes do levantamento estatístico, mas, ao mesmo tempo, revelam curiosidades que contrariam o senso comum predominante até agora. No primeiro caso, está o fato de que, nos casos de planos de RJ aprovados, apenas 20% das dívidas das empresas em recuperação são pagas integralmente à classe 3 de credores (quirografário ou sem garantia, o crédito simples); o percentual sobe para 30% em se tratando da classe 2 (com garantia real).
No segundo caso, estão os prazos para pagamento de juros das dívidas reestruturadas às classes 2 e 3: eles são praticamente idênticos – 55,8% e 53,1%, respectivamente, entre cinco e dez anos. Outro dado interessante: cerca de um terço dos 906 casos de RJ ocorridos entre 2010 e 2017 não teve cobrança de juros.
Dos planos de RJ aprovados até 2016, 57,1% ainda não foram concluídos, sendo que 18,2% das empresas saíram do plano e 24,7% faliram ao cumpri-lo. Das empresas que faliram ou das RJ que acabaram, 42% saíram da RJ. Após a aprovação do plano, o arquivamento da RJ ocorre, em caso de falência, no prazo de 1,77 ano (esta é a mediana).
Fonte: Valor Econômico