Cooperativas agrícolas podem pedir recuperação judicial? Este questionamento tem surgido com mais frequência no setor cooperativado, principalmente como uma saída para cooperativas que estão em grave crise financeira. A resposta objetiva é não.
Pela atual legislação, as cooperativas não podem se utilizar do instituto da recuperação judicial. Mas há argumentos fortes para se pensar o inverso e fomentar a discussão de adaptação e modernização das leis, que regem tanto o cooperativismo, como as empresas em crise – leia-se a Lei de Falências e de Recuperação Judicial.
As normas que regem as cooperativas, cuja lei foi editada na década de 1970, deixaram claro que esta forma de sociedade associativa não está sujeita ao regime jurídico empresarial, eis que possui natureza civil. O foco aqui não é discutir a natureza das cooperativas se civil, empresarial, híbrida ou especial. Mas que, por tal definição, não estão sujeitas aos efeitos da Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
As cooperativas vêm sendo organizadas como empresas, mesmo tendo princípio associativo e objetivo social
Esta lei, por sua vez, reforça a tese de que somente o empresário e a sociedade empresarial poderiam efetivamente pedir ou sofrer uma falência e se utilizar da recuperação judicial. Há exceções levantadas pelo próprio legislador de forma acertada, proibindo a utilização do benefício da moratória por serem áreas altamente reguladas, de interesse econômico e de grande impacto social.
Não poderia ficar a cargo do conselho de administração ou diretoria de uma empresa de planos de saúde, financeiras, consórcios e entidades de previdência, por exemplo, a decisão objetiva de suspender os seus pagamentos e propor uma negociação futura. Seria o caos, trazendo riscos e prejuízos econômicos e sociais imensuráveis. As cooperativas de crédito, por sua vez, estão listadas na mesma exceção, em razão dos argumentos acima, mas nota-se que não se generalizou em relação a todo setor cooperativado, apenas àquelas de viés financeiro.
Vamos à realidade. Há muito tempo as cooperativas vêm sendo organizadas como empresas, mesmo tendo princípio associativo e objetivo social. Estas possuem atividade organizada, produção e circulação de bens e serviços. Portanto, estão totalmente inseridas na economia e, por consequência, sujeitas às intempéries do próprio mercado, sem falar ainda nos efeitos diretos causados por fator climático.
Em muitos casos são instituições com organismos e operações mais complexas que muitas empresas, mas a gestão ainda é simplista e informal. O histórico de alto endividamento só se resolverá com uma estrutura moderna de moratória controlada e participação ativa dos credores; ou seja, concedendo-lhes o benefício da recuperação judicial. Muitas delas já deveriam ter sido liquidadas eis que totalmente insolventes, mas não o são por diversos fatores, os quais alguns aqui são elencados: falta de interesse do credor que, em uma liquidação, provavelmente não receberia seu crédito; política de concessão de crédito do próprio governo, que vai dando uma sobrevida ao fluxo de caixa das cooperativas; e uma legislação totalmente desatualizada, principalmente no que tange as regras de liquidação deste tipo de instituição.
Os fatos têm nos mostrado ainda que o Judiciário tem sido o órgão mais preparado para coordenar liquidações de empresas sujeitas à Lei de Falências, a qual poderia de imediato ser aplicada a outras entidades, incluindo as cooperativas. A maioria das capitais brasileiras e alguns polos industriais possuem cartórios empresariais especializados em processos de falência e recuperação judicial, onde se busca a aplicação de uma lei moderna (que por óbvio possui suas deficiências), mas que objetiva liquidar as empresas deficitárias de uma forma mais ágil, com a participação ativa dos credores e do Ministério Público, além da figura do administrador judicial.
As liquidações extrajudiciais previstas em leis específicas e aplicadas de forma setorial como no caso das cooperativas, instituições financeiras e seguradoras têm se mostrado excessivamente demoradas, custosas e sem atingir o seu principal objetivo, que é a venda dos ativos e o pagamento dos credores. Falta aparelhamento, pessoal especializado, administradores profissionais, fora que, em alguns casos, os efeitos políticos desvirtuam ou aumentam tais obstáculos.
É urgente se atualizar ambas legislações – cooperativas e Lei de Falências e Recuperação Judicial -, para se autorizar a utilização desse instrumento pelo setor cooperativado, já prevendo a aplicação do processo de falências em sua amplitude, incluindo a análise de responsabilidade dos sócios e diretores por desvio de patrimônio, contabilidade irregular, fraudes e má gestão devidamente comprovadas. Com o ônus e o bônus dessa medida, certamente estaremos dando um passo para fortalecer a atuação das cooperativas agrícolas em momentos de dificuldade, cobrando, por outro lado, uma melhor gestão de suas lideranças e dirigentes.
Fabrício Nedel Scalzilli é sócio da Scalzilli.fmv Advogados & Associados e presidente da Comissão de Falências e Recuperação Judicial da OAB-RS